A crescente privatização e a concentração de mercado na Terapia Renal Substitutiva (TRS) podem comprometer a qualidade do atendimento e os resultados clínicos dos pacientes. É o que revela um estudo conduzido por pesquisadores do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), publicado na revista ClinicoEconomics and Outcomes Research

A pesquisa analisou 34 artigos internacionais e identificou que a predominância de grandes conglomerados privados na prestação do serviço está associada a maior mortalidade, maior taxa de hospitalizações e menor acesso ao transplante renal. 

Principais achados 

O estudo destaca que: 

  • A maioria dos serviços de TRS é operada por empresas privadas, com forte concentração em conglomerados internacionais. Nos Estados Unidos, por exemplo, apenas duas corporações controlam 70% das unidades de diálise. 
  • Pacientes atendidos por grandes grupos privados apresentam taxas mais altas de mortalidade e hospitalização do que aqueles tratados em unidades públicas ou sem fins lucrativos. 
  • Modelos de pagamento baseados no volume de procedimentos podem incentivar práticas prejudiciais, como a redução de indicações para transplante renal e a priorização da hemodiálise hospitalar em detrimento de terapias domiciliares, como a diálise peritoneal. 
  • No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) financia a TRS para 85% dos pacientes, mas a prestação do serviço está majoritariamente nas mãos da iniciativa privada, o que pode comprometer a equidade e o controle de qualidade. 
Consequências da privatização no setor de diálise 

A pesquisa aponta que a privatização da TRS, aliada à concentração de mercado, pode gerar impactos adversos, incluindo: 

  • Menor acesso ao transplante renal, especialmente para pacientes atendidos em unidades privadas, onde a permanência prolongada na hemodiálise pode ser economicamente mais vantajosa para os prestadores de serviço. 
  • Maior uso de medicamentos caros, como a eritropoetina para tratamento da anemia, com dosagens historicamente mais altas em unidades privadas, independentemente da necessidade clínica. 
  • Redução da oferta de diálise peritoneal, uma alternativa que pode melhorar a qualidade de vida dos pacientes e reduzir custos, mas que é menos lucrativa para as empresas privadas. 
Regulação e desafios para o futuro 

Diante desse cenário, os pesquisadores defendem uma regulação mais rigorosa do setor de diálise, especialmente em países como o Brasil, onde a participação privada na TRS é significativa. 

“O fortalecimento do setor público via administração direta, a ampliação do acesso ao transplante renal e a diversificação das modalidades de tratamento são essenciais para garantir melhores resultados clínicos e maior equidade no acesso ao tratamento”, afirma Leonardo Carnut, professor do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Unifesp e um dos autores do estudo. 

O artigo completo pode ser acessado aqui