Ano passado assisti a um sem-número de pitches, apresentações com poucos minutos de duração em que jovens empreendedores defendem sua ideia de negócio com o objetivo de convencer uma seleta plateia de investidores a abrir a carteira.

Participei de eventos em várias cidades e o que me chamou a atenção foi o resultado de um cálculo rápido que fiz. Menos de 10% do total dos pitches traziam soluções para segmentos que Brasil adentro e mundo afora só crescem: o de consumidores com 50 anos ou mais, que estão na “envelhescência” ou transitando para a velhice, e o de profissionais dedicados a atender suas inúmeras necessidades e também das pessoas mais longevos.

Sabe-se que empreendedores de sucesso mencionam pelo menos dois ingredientes essenciais em suas “receitas”, a paixão pelo que fazem e sua atenção focada na realidade circundante. È isso que faz com que vejam primeiro ou antecipem as oportunidades, pois algumas se mostram nítidas como se estivessem iluminadas por holofotes. Outras nem tanto, mas apesar de “eclipsadas” nem por isso menos promissoras.

Não ignore esses dados

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nosso país tem 26,3 milhões de pessoas acima dos 60 anos ou 13% da população.

Como massa de pão, esse percentual vai praticamente triplicar de tamanho. Em 2060, o IBGE estima que alcançará 34%.

Outro dado relevante. No Brasil, a esperança de vida, em 2000, era de 69 anos, em 2014 saltou para 75 e a projeção para 2060 é 81 anos.

Em um cenário demográfico com corte mais amplo, e neste exato momento, mais de 40 milhões de homens e mulheres têm idade igual ou acima de 50 anos no país. Hoje eles respondem por 34% do consumo de bens e serviços, algo estimado em 1 trilhão de reais por ano.

De acordo com estudos de mercado da consultoria Escopo, daqui para frente esse grupo se tornará  cada vez mais relevante. Sua participação no cômputo do consumo total é estimada em 41% em 2017.

Lacunas e mais lacunas

Nas últimas duas décadas, o número de idosos brasileiros que moram sozinhos cresceu exponencialmente. Atualmente ultrapassam 4 milhões de pessoas.

Mais: as famílias ganharam novas configurações. No passado, por exemplo, era comum ver filhas cuidando dos pais idosos. Hoje elas estão ativas no mercado de trabalho, muitas vezes residindo em cidades distantes.

Moradias com tecnologia assistiva a preços acessíveis ou locais que possam receber, durante o dia, os idosos que residem com seus familiares mas que não podem ser deixados sozinhos, também existem em número restrito, mesmo os oferecidos por particulares,

Já os programas de atenção à saúde da pessoa idosa nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal) só conseguem atender uma pequena parcela da demanda real.

Pior. Não há coordenação entre essas iniciativas, sem contar a descontinuidade, motivada por desentendimentos políticos e cortes no orçamento do governo.

No âmbito das políticas de saúde, o modelo brasileiro ainda está focado nos cuidados materno-infantis e em quadros agudos, quando deveria mirar na prevenção de doenças como o diabetes, a hipertensão, a obesidade, entre outras.

Os gestores públicos parecem padecer de algum grave mal que afeta sua cognição, pois dados oficiais mostram a queda, há mais de uma década, nas taxas de fecundidade e o ritmo galopante do envelhecimento da população no país.

Startups desatentas, investidores antenados

A longevidade é uma importante conquista da sociedade brasileira.

Se o gestor público não tem sensibilidade ou competência para estabelecer esse novo ecossistema, jovens com vocação para o empreendedorismo de impacto social e a inovação colaborativa têm os meios para buscar soluções disruptivas e escaláveis para a economia da longevidade.

Em tempo, a expressão “economia da longevidade” tem sido usada para sinalizar os efeitos do envelhecimento populacional no mercado de consumo e na infraestrutura.

Para os mais céticos, vale um alerta. Joguem na lata do lixo os velhos estereótipos. Um bom exemplo é o do analfabetismo digital. Associá-lo indiscriminadamente a pessoas maduras é hoje um tremendo equivoco.

As telas maiores dos smartphones e tablets e outros aparelhos embarcados com recursos como o que permite aumentar o contraste de cor e brilho ou o tamanho da letra ou dos ícones dos aplicativos conseguiram “implodir” a resistência dos idosos a usar esses gadgets.

Informação privilegiada   

Depois de assistir aqueles incontáveis pitches que mencionei na abertura deste artigo, fazia questão de cumprir um ritual. Perguntava aos investidores e gestores dos fundos o que eles achavam de haver tão poucos jovens tentando “vender” soluções para a economia da longevidade.

As respostas que ouvi têm o peso de uma “informação privilegiada. Como assim?

Constatei que entre os grandes investidores, uns mais, outros um pouco menos, estavam antenados ou eram sensíveis às oportunidades do mercaod grisalho. Um deles, um jovem com cerca de 30 anos que pediu anonimato, resumiu bem o pensamento de todos:

“A maioria dos candidatos insiste em oferecer  ‘mais do mesmo’. Nossos jovens ainda tendem a imitar ou adaptar o que está funcionando lá fora. Se estivessem mais atentos aos desafios da realidade brasileira, especialmente o rápido envelhecimento da população, teriam mais sucesso no aporte de recursos para suas startups. A tarefa não é fácil. Terão de mergulhar fundo para entender as várias necessidades das pessoas maduras, Não tenho dúvidas que a criatividade e o espírito empreendedor dos brasileiros formatariam negócios escaláveis para esse nicho promissor”.

Inspire-se e ponha a mão na massa

Quem quiser arregaçar as mangas e topar o desafio de empreender para a economia da longevidade vale a pena ver e rever a  vídeoentrevista publicada por Linda Lacina na Entrepreneur. É inspirador e instrutivo o que dizem JD Albert, diretor do Bresslergroup, e o inventor e futurista Donald Spector.

Apesar da crise instalada no Brasil, para investidores e gente com o DNA do empreendedorismo não há espaço para o retraimento ou falsas expectativas. Esses dois elos da corrente, sabem, de antemão, que 2015 será um ano bem seletivo.

No mundo das grandes corporações, mas particularmente no efervescente universo das startups, render-se às evidências da demografia está longe de ser uma aventura.

Não só o Brasil, mas o munod está ficando cada dia mais velho. Para quem investe ou toma a frente de um negocio, hoje é uma temeridade, para dizer pouco, ignorar a crescente importância dos consumidores 50+.

Afinal, eles estão impulsionando uma maturidade ativa, que a todo momento transgride esterótipos.

Velhinhos balançando em redes ou com interesses restritos aos netos são imagens ainda cristalizadas em nossas campanhas publicitárias, Mas, no “mundo real”, essas pessoas estão trilhando outros caminhos e são cada vez mais  “consumistas’, de bens e serviços, nem sempre disponíveis, que aumentam sua experiência de cuidados preventivos e de fruição da vida. Não mais no amanhã, mas no aqui e agora.

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