“No Princípio era o Verbo” (João 1:1)

Há algumas semanas, na minha apresentação durante a Lean Global Connection, o maior encontro anual de lean que ocorre durante 24 horas ininterruptas, uma pergunta me deixou um tanto reflexivo.

Eu falava sobre sistemas de gestão lean – ou não – e como os sistemas complexos funcionam. Com parcos 23 minutos disponíveis, tive de me esforçar para ser claro e objetivo. Porém, uma pergunta de um dos presentes me intrigou: “São os sistemas de gestão apenas sistemas de comunicação? Ou, em outras palavras, podemos resumir os sistemas complexos adaptativos (SCA) em sistemas de comunicação?”

Fiquei tentado a dizer que “sim, é quase isso”. No entanto, é mais do que isso; é muito mais.

Para quem não sabe, SCAs são sistemas compostos por muitos componentes ou agentes autônomos e interconectados que interagem entre si e com o ambiente, gerando resultados que não são facilmente dedutíveis a partir das propriedades dos componentes e/ou agentes individuais. O cotidiano de trabalho de um grande hospital é um exemplo de SCA.

Sem comunicação e interação, um SCA não será capaz de funcionar de maneira eficiente e de acordo com os objetivos, propósitos e metas traçadas. Porém, havendo comunicação, o sistema evolui de forma espontânea, gerando mais complexidade através de outros elementos característicos dos SCA.

A partir das primeiras interações iniciais de um pequenino sistema, ao haver a interação dos elementos e/ou agentes com o entorno, novas interações são criadas, que geram novas e outras mais… e temos, por fim, interações em larga escala, com conexões densas envolvendo inúmeros agentes e outros sistemas.

Nesse momento, não há mais controle central – outra característica de sistemas complexos. E tudo passa a se organizar e se autoajustar de acordo com respostas e interações com o entorno – o ecossistema. Pela complexidade dessas interações, mudanças muito pequenas podem provocar efeitos maravilhosos ou devastadores, mas ambos imprevisíveis.

É importante dizer que sistemas complexos são não lineares e se adaptam através de alterações no microambiente, impactando o macroambiente. Quando uma dessas mudanças – que podem ser chamadas de “comportamentos emergentes” – melhora o desempenho do sistema, ele se adapta e se ajusta; ele evolui. Todos esses eventos ocorrem em ciclos de feedback, nos quais a comunicação e a interação são o elemento central, mas não são controláveis de forma linear.

Temos diversos sistemas de comunicação e retroalimentação em nosso organismo. A regulação térmica, a glicemia, o sistema imunológico, o digestivo… todos com características de SCA e que vêm evoluindo através dos milênios.

Os “laços fracos” têm a capacidade de promover interações em larga escala ao longo do tempo.

Em outro exemplo, plantas reagem a ataques de insetos herbívoros, liberando alguns compostos orgânicos voláteis, que farão com que outros vegetais próximos possam reagir melhor ao ataque desses insetos, seja exalando toxinas ou desidratando suas folhas.

Fungos micorrízicos formam uma rede entre as raízes de árvores e plantas de uma floresta, onde trocam nutrientes e sinais de perigo. Esse tipo de rede foi chamado de “Wood Wide Web”, termo descrito em 1997 na revista Nature, na época em que nos acostumávamos com a também recém-criada “World Wide Web”, nossa rede global de comunicação entre humanos.

Niall Ferguson, brilhante historiador britânico, propõe, em um livro muito provocativo, algumas dicas sobre como lidar com nossos problemas de comunicação e de hierarquia.

Na obra “A Praça e a Torre – redes, hierarquias e a luta pelo poder global”, o autor lança uma perspectiva diferente sobre a história, sobre como as hierarquias de poder e as redes sociais, seja elas sociedades secretas, círculos de intelectuais ou redes de comércio, moldaram nossa história. Nesse contexto, ele nos mostra que uma grande revolução da comunicação foi a invenção da prensa móvel de Gutemberg, culminando com a desintegração de hierarquias religiosas e séculos de conflitos.

Outra grande revolução similar ocorre agora, nesse momento, ao vivo e em cores, que é a desestabilização e desorganização social provocados pela internet e as redes sociais. A “medicina do Tik-Tok” é, hoje, um fenômeno de causar arrepios, mas temos também os movimentos anti-vacinas, a febre dos hormônios rejuvenescedores, os soros mágicos e uma epidemia de distúrbios e doenças mentais associadas ao uso da internet. Isso olhando apenas ao meu redor.

Ferguson usou da Ciência de Redes para demonstrar como conexões de redes foram cruciais em diversos desdobramentos históricos. Ele nos mostrou quatro fenômenos importantes:

[1] Redes (assim como Sistemas Complexos Adaptativos) não são inerentemente benignas; elas são neutras. Suas interações e desdobramentos é que podem, muitas vezes, seguir por roteiros indesejáveis.

[2] Essas redes tendem a homofilia, ou seja, conectam-se melhor com membros que pensem (ou respondam) da mesma forma, que possuam muita afinidade. Por isso, a visível tendência de extremismo e radicalização vistos hoje nas redes sociais, num sistema quase fechado de retroalimentação negativa.

[3] São os “laços fracos” da sua rede que realmente conduzem as revoluções. São as pessoas que você considera apenas “um contato” as que irão de fato transformar o sistema, usando dessa afinidade (homofilia) para propagar as novas ideias através de seus outros grupos e contatos e assim sucessivamente. A combinação da afinidade de ideias e a capacidade de propagar isso além do próprio círculo é que é capaz de viralizar tudo.

[4] Hubs (pessoas muito conectadas) funcionam como megafones, mas nem sempre esses indivíduos são facilmente identificados nas redes ou sequer ocupam posições de destaque ou poder. Muitos “hubs” são pessoas influentes, muito conectadas, mas não necessariamente populares. Porém, essenciais nas dinâmicas das redes.

Voltando para a pergunta sobre comunicação e sistemas de gestão e olhando com um pouco mais atenção agora, conseguimos enxergar ao menos alguns elementos dentro de uma rede de comunicação que podem nos levar à complexidade.

“Laços fracos” são capazes de desenvolver interações de larga escala ao longo do tempo. Eles se conectam através da homofilia e desenvolvem as propriedades emergentes e de auto-organização de um sistema complexo. E a não linearidade e incerteza emergem não só através de “laços fracos” e homofilia, mas também diante de “hubs” ocultos, megafones de comunicação invisíveis à primeira impressão, mas capazes de viralizar uma ideia.

Imagino que da próxima vez que iniciar um projeto de mudança eu deva gastar um pouco mais de energia com o plano de comunicação. Acredito que isso possa economizar muito trabalho na execução de meu projeto, ao explorar um pouco melhor a ciência de redes, com seus hubs, homofilia, laços fracos, sistemas de gestão e complexidade emergente.