Após quase um ano do início da pandemia da Covid-19 no Brasil, o debate sobre a legitimação da telemedicina como forma de atendimento faz parte do passado. O mundo certamente era outro naquele longínquo 2019, e os deslocamentos para consultórios físicos e hospitais não representavam uma dificuldade, muito menos uma ameaça sanitária. Para o pós-pandemia, porém, mais que adotar uma tecnologia na Saúde, será necessário avaliar de que forma ela otimiza a jornada do paciente, especialmente em um modelo híbrido, no qual as ferramentas digitais e as consultas ambulatoriais presenciais passam a ser complementares em prol de melhores desfechos clínicos, prevenção de doenças e cuidado remoto.
Essa é a visão de Kátia Galvane, diretora para health da everis. “A pandemia do coronavírus provocou um boom na utilização de ferramentas tecnológicas que já existem há muitos anos, o que foi muito benéfico no contexto de 2020. Para o futuro próximo, porém, precisamos nos questionar e refletir, dentre tantas possibilidades, qual é a melhor jornada digital para cada tipo de paciente”, propõe a especialista.
A previsão de Kátia para 2021 encontra respaldo na de Daniel Greca, sócio da KPMG Brasil. Ele lembra que mesmo com a migração em massa dos serviços de Saúde para o digital, a gestão em Saúde ainda não encontrou a medida certa do que deve digitalizar. “Um exemplo claro disso é uma teleconsulta com 2 horas de espera. Esse é um mau uso da tecnologia, pois não resolve o problema maior, que é o atraso, a demora. Nesse caso, a ferramenta apenas digitalizou um processo ruim, que passou a acontecer exatamente da mesma forma que o analógico.”
A digitalização dos serviços de Saúde desconectada de uma boa estratégia pode até provocar um retrocesso nas operações. Por isso, passada a urgência da implementação em meio a uma pandemia, vem o momento de analisar se o modelo operacional e de negócio está pronto e adequado para a digitalização. “Não basta escolher ferramentas no enorme ecossistema da tecnologia da Saúde e pensar que apenas o ‘plug and play’ vai funcionar. É fundamental entender as necessidades de cada ator em seu sistema, desenhar a jornada do paciente e, por fim, refletir sobre como ela deve ser. Só assim será possível saber qual tecnologia deve ser incorporada”, descreve Greco.
Kátia acredita que nesse caminho será crucial rever os processos e entender melhor os resultados das interações tecnológicas, seja com o beneficiário ou com o prestador de serviço.
Aliás, esse é outro ponto de atenção importante para o ano que começa: usar a tecnologia para proporcionar um olhar mais atento aos profissionais de Saúde que estão na linha de frente.
“Imagine como é a vida de um profissional de Saúde que tem pouco tempo para o atendimento, mas é pressionado a coletar preciosos dados dos pacientes e tomar decisões cada vez mais rápidas. Não é à toa que muitos estão enfrentando quadros importantes de ansiedade e outras doenças mentais”, reflete Greco. Por esse motivo, a tecnologia na Saúde também precisa ser assertiva para esse público, especialmente porque o capital humano é o ponto fundamental de todo esse movimento, pois serão as pessoas que escolherão e usarão as funcionalidades disponíveis em benefício da própria qualidade de vida.
Ainda durante o processo de digitalização, a chamada “cultura hospitalocêntrica” dá lugar a uma assistência ambulatorial feita a distância, com teleconsultas realizadas por médicos, psicoterapeutas, fisioterapeutas e outros profissionais responsáveis pelo cuidado integral à saúde. O paciente, por sua vez, assume o autogerenciamento de seu bem-estar, usando plataformas de qualidade de vida e aplicativos capazes até mesmo de escanear o corpo e repassar esses dados aos responsáveis pela gestão do cuidado remoto - o que traz um diferencial especialmente no caso de portadores de doenças crônicas.
Só que para tudo isso funcionar de forma eficiente, vai depender da infraestrutura tecnológica disponível em cada região. E vale lembrar que são várias as realidades possíveis em um país enorme como o Brasil. Mesmo grandes metrópoles como São Paulo enfrentam gargalos, entre eles sinal fraco de celular e falta de estabilidade na internet. “A esperança para começar a resolver esse problema está no 5G, que poderá escalar o acesso digital entre mais pessoas”, resume Greco. Mas ainda não há data para a chegada da ultravelocidade de internet ao país.
Paralelamente, as empresas de tecnologia seguem trabalhando em conjunto com os gestores de Saúde em busca de soluções amigáveis na assistência a distância. “Algumas situações que antes pareciam ficção já são uma realidade. Estou falando de uso de inteligência artificial para o controle de patologias crônicas, do treinamento de câmeras para monitorar o risco entre pacientes de UTIs e de enfermeiras virtuais que respondem dúvidas de pacientes e familiares por meio de um aplicativo”, revela Kátia.
A Saúde Digital está pronta para começar mais uma década de inovação.