A partir desta semana o Hospital das Clínicas (HC) da Unicamp, de Campinas (SP) inicia a implantação de um plano para readequar-se à sua verdadeira vocação, que é a de hospital terciário e quaternário. A proposta, já discutida com a comunidade interna da Universidade, com a Divisão Regional de Saúde (DIR12), ligada à Secretaria do Estado da Saúde, com os conselhos municipais de saúde na região e com a Câmara Temática da Saúde da RMC, prevê, entre outras medidas, a reorganização do atendimento no pronto-socorro e nos ambulatórios, que passarão a dar prioridade aos casos referenciados de maior complexidade. As propostas prevêem que o antigo setor de pronto-socorro, que atende em média 350 pacientes por dia, passe a ser chamado de Unidade de Emergência Referenciada (UER). O principal objetivo será atender pacientes graves referenciados. Todo encaminhamento à UER será feito através de contato telefônico pelos sistemas de resgate ou pela Central Reguladora de Vagas da DIR-12 e da Prefeitura. Uma das medidas que estão ajudando o fluxo na UER foi a implantação, há três meses, de um sistema de triagem baseado em cores (vermelho, amarelo, verde e azul), que atende o paciente de procura espontânea, priorizando o grau de gravidade, e não a ordem de chegada. Atualmente, 50% da internação do Hospital vem do PS.
A Central Reguladora de Vagas da DIR também vai atuar nas consultas ambulatoriais. Com foco principal em procedimentos de alta complexidade, o HC destinará 12,15% dos leitos (49) do hospital para procedimentos considerados estratégicos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), como transplantes (coração, fígado, rim, pâncreas, córnea e medula óssea), cirurgias de epilepsia, cirurgias cardíacas, cirurgia bariátrica (obesidade mórbida) e implante coclear. Os leitos de UTI, retaguarda do UER e oncologia ficaram fora destas modificações. O plano foi discutido por um grupo de trabalho formado por 19 integrantes da área de saúde, incluindo docentes, estudantes e profissionais que respondem pelos diversos departamentos do HC.
O consenso entre o grupo de trabalho do HC é que as mudanças têm como principal finalidade preservar o papel do hospital no sistema regionalizado e hierarquizado, instituído pelo Governo Federal. Um hospital universitário tem que ser um espaço de atendimento especializado, bem como de pesquisa, ensino, residência e pós-graduação. Isso não significa, porém, que a Unicamp deixará de fazer atendimento primário e secundário na rede pública.
A proposta da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp é que os alunos passem a atuar com mais intensidade nas unidades básicas de saúde (UBS) e nos hospitais secundários da rede pública, como já ocorre no Hospital Estadual Sumaré, vinculado à universidade.
De acordo com o superintendente do hospital, Ivan Toro, o prejuízo é, em parte, causado por procedimentos que o hospital realiza, mas que não são remunerados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Toro diz que boa parte desse atendimento resulta da demanda espontânea de pacientes que, em muitos casos, segundo ele, deveriam ser atendidos em unidades de nível secundário ou primário da rede pública. Para ele, trata-se de uma distorção, não somente cultural, que se consolidou nos últimos anos em razão da falta de informação sobre o princípio de hierarquização que rege o sistema de saúde.
Essa distorção fica evidente, por exemplo, quando são examinados os números do pronto-socorro. O grupo de trabalho que elaborou o plano de adequação constatou que, dos 350 pacientes que todos os dias recorrem ao pronto atendimento do HC, 80% chegam espontaneamente, ou seja, sem encaminhamento médico. Pela avaliação dos diagnósticos de procura, observou-se que apenas 20% dos pacientes caracterizam casos próprios do pronto-socorro e, portanto, deveriam ser assistidos pela Unicamp. Do total de pessoas atendidas, 70% são procedentes de Campinas, 20% de Sumaré e Hortolândia, e os 10% restantes vêm de outros municípios.
Toro afirma que esse quadro gera impactos negativos em várias frentes. Em outubro do ano passado, por exemplo, o custo dos atendimentos no pronto-socorro chegou a R$ 657 mil, enquanto a remuneração do SUS cobriu apenas R$ 122,5 mil. Segundo o superintendente, isso ocorre porque o SUS, pela pactuação do sistema, remunera a Unicamp apenas pelos casos de alta e média complexidade. ?Como temos uma demanda batendo à porta, acabamos atendendo?, diz. ?Com isso, atendemos a um excedente pelo qual não temos contrato?, destaca.
Outra meta do plano é reduzir o déficit mensal do HC, da ordem de R$ 500 mil. Hoje, a dívida acumulada do HC é de cerca de R$ 7 milhões, informa a assessoria de imprensa da Unicamp.
Segundo Toro, em setembro os gastos superaram o teto em R$ 900 mil e, em outubro, o déficit chegou a R$ 400 mil. Só com tomografias, o prejuízo chega a cerca de R$ 50 mil por mês. ?Pelo teto, podemos realizar 740 tomografias mensais, mas na prática acabamos fazendo mais de mil?, exemplifica.
A readequação do atendimento, revela Toro, permitirá corrigir estas distorções, fazendo com que o HC retome o seu papel de hospital terciário. Outra vantagem, segundo o superintendente, será a ampliação no atendimento aos casos considerados estratégicos pelo SUS, como transplantes de órgãos, cirurgias de epilepsia e implante coclear, entre outros. Por serem considerados estratégicos e de alta complexidade, estes procedimentos contam com verbas extrateto garantidas pelo Ministério da Saúde, independentemente de sua quantidade. Com as mudanças, a meta é contar com melhores condições de participar da regionalização, hierarquização da demanda e eqüidade no atendimento, cumprindo o papel esperado pela academia e pela população, na direção de um SUS melhor.