O Instituto Nacional de Câncer (Inca) realizou o primeiro teste clínico oncológico de fase 3 sem a coordenação da indústria. Participaram do estudo mais oito centros de pesquisa. Os autores consideram o trabalho um marco na avaliação independente de terapias para câncer no País. As informações são do jornal Estado de S. Paulo.

De acordo com a publicação, os cientistas queriam descobrir se a administração de dois medicamentos (pemetrexed e carboplatina) poderia aumentar a expectativa de vida de pacientes com uma forma de câncer de pulmão avançado. O chefe da  Pesquisa Clínica e Incorporação Tecnológica do Inca, Carlos Gil conta que a maioria das pessoas que chegam nessas condições não recebe terapia, pois o benefícios ainda não foi comprovado.

O trabalho, divulgado no último congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, mostrou que o remédio aumenta a expectativa de vida em três meses.

Mais importante que o resultado clínico é o pioneirismo da iniciativa, apontam os pesquisadores. Segundo o jornal, na conclusão do estudo, eles dizem que o teste demonstra a viabilidade de um mecanismo independente para conduzir testes de câncer e representa uma mudança de paradigma em pesquisa clínica na América Latina.

O banco de dados do clinicaltrials.gov – mantido pelo governo americano -, 24 testes clínicos de fase 3 para câncer estão recrutando voluntários no Brasil. Todos realizados pela indústria farmacêutica.

Dificuldades

Cerca de 60% dos pacientes incluídos no estudo eram atendidos no Inca. A distribuição desigual revela a principal dificuldade para realizar estudos sem o apoio da indústria. Gil conta que a maioria dos centros de pesquisa das universidades  escolhe trabalhar sob a coordenação da indústria para ter acesso à estrutura e aos recursos necessários para realizar os testes.

Ele ressalta que há também um problema cultural: muitos grupos em universidades têm dificuldade para realizar parcerias, algo essencial para pesquisas assim. Querem garantir uma visibilidade que cai quando você faz trabalhos em uma rede de pesquisa.

Independência

O presidente da Cochrane do Brasil,  principal banco de revisões sistemáticas em medicina, conta que o estudo parece promissor. Mas pondera que os medicamentos ainda foram fornecidos pela indústria farmacêutica Eli Lilly (embora ela não tenha participado do desenho do estudo)

Ele defende que todos os estudos clínicos sejam realizados por entidades independentes. O dinheiro seria pago pela indústria a uma agência que contrataria os responsáveis por conduzir os testes, sem contato – direto ou indireto – com a indústria.

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Farmacêutica, João Massud Filho, deixar os testes a cargo de uma agência governamental não resolve o problema.

Taxas

 José Ruben de Alcântara Bonfim, coordenador executivo da Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos, acredita que nem mesmo as agências reguladoras deveriam cobrar taxas da indústria para avaliar suas propostas de novos medicamentos. E cita como exemplo a nova agência francesa de vigilância farmacológica – a ANSM. Seu orçamento para avaliar a viabilidade de novos medicamentos – cerca de 140 milhões de euros (R$ 355 milhões) – virá exclusivamente dos cofres do Estado.