A regulamentação das operadoras de planos de saúde no Brasil trouxe avanços na profissionalização. Havia injustiças gritantes, como a oferta de planos sem cobertura básica – para patologias cardiovasculares por exemplo – que afligiam os consumidores e eram verdadeira aberração.
Por outro lado, ampliada a análise sobre a saúde suplementar como um todo, vê-se que a regulamentação foi parcial e prejudicial aos compradores de serviço – e ao beneficiário. Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a atividade não envolve apenas as operadoras de planos de saúde. O trabalho de uma operadora é muito semelhante àquele de uma seguradora, que em última análise assume o risco do sinistro e para isso é remunerada pela empresa/cidadão de acordo com o perfil atuarial de cada um. Cabe a ela indenizar os eventos cobertos, ocorridos dentro das condições estabelecidas em lei e nos contratos.
Mas o setor de saúde suplementar, como já dito, é bem mais amplo. Para garantir o atendimento às demandas da população, entram em cena outros atores, além das operadoras: a indústria farmacêutica; os profissionais do setor; os hospitais; os laboratórios; as clínicas, e as indústrias de órteses, próteses e materiais, entre outros. Na prática, a operadora é uma intermediária do setor, atuando entre os prestadores de serviço de saúde e os cidadãos.
Esses últimos, não satisfeitos com os serviços oferecidos pelo estado, optam por adquirir o direito de acessar os serviços privados e suplementares aos já oferecidos pelo SUS.
Aí reside o problema. O legislador brasileiro promoveu uma regulamentação incompleta do setor e deixou protagonistas de fora das normas. As operadoras tem prazos a cumprir e coberturas a oferecer, o que garante a qualidade no atendimento. Mas o restante do segmento atua livremente.
O resultado é que fornecedores de serviços e produtos praticam preços e condições definidos por eles, usando a lei da oferta e da procura e muitas vezes abusando do poder econômico por meio de monopólio a seu bel prazer. A operadora, única que opera sob regulação, atua desprotegida e sofre com enorme desvantagem, perdendo poder de barganha. Há inúmeras formas de fornecedores pressionarem as operadoras, com ações de comunicação, registro de queixas nos órgãos reguladores ou até com o uso inadequado do Judiciário. Guiados pela boa intenção da parte do julgador, que atua sem suporte de médicos e/ou enfermeiros e farmacêuticos para tomar suas decisões, os tribunais determinam o pagamento de valores extorsivos por produtos muitas vezes desnecessários. Exemplar é o caso da máfia das órteses e próteses, que drena bilhões de reais em recursos do SUS e das operadoras de planos de saúde.
Os dados divulgados pela própria ANS mostram o resultado desse desequilíbrio. Em 2003, segundo o Atlas Econômico Financeiro da Saúde Suplementar, o Brasil tinha 1639 operadoras de saúde. Hoje o número caiu pela metade. Na época, a maioria das operadoras oferecia planos individuais. No futuro não muito distante, é possível que essa modalidade desapareça.
Há necessidade de união do setor para discussão de formas para enfrentar estes problemas. A proposta de criação de produtos com cobertura reduzida para atrair clientes vai provocar judicialização ainda maior do setor, o que é prejudicial para todos. Em vez disso, é preciso discutir soluções que envolvam toda a cadeia da saúde suplementar. A busca de soluções para o setor da saúde privada no País, um dos maiores do mundo, é essencial e urgente.