Quem já não sentiu na própria pele um sentimento beirando o desespero ao perceber que seu smartphone foi esquecido em algum lugar, a bateria do aparelho está prestes a acabar ou o sinal da operadora está falhando?
Mais: não é raro hoje ver casais na curiosa situação de ao invés de estarem conversando, têm seus olhos e dedos presos à tela do telefone celular. Até mesmo convocar a família para uma refeição, estando todos em casa, não se faz pelo alto e bom som, mas sim por meio de algum aplicativo…
Mudanças impostas pela era digital
Andrew Hoskins tem estudado esses comportamentos que classifica como “compulsão por conectividade”. Hoskins é professor de Pesquisa Interdisciplinar da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Glasgow, Escócia, e fundador e editor-chefe da revista Memory Studies. Em seu livro “iMemory: Why the past is all over?”, ele propõe uma reflexão sobre a nova forma de testemunhar e compartilhar o presente através da cultura do selfie.
O pesquisador chama a atenção para a mudança que as tecnologias digitais impõem na forma como vivemos o presente e a capacidade de lembrar e esquecer nossas experiências.
Passado e presente no ambiente virtual
Hoskins tem estudado o que define como imemory, ou seja, a memória digital, processo de lembrar e registrar vivências próprias ou de terceiros no ambiente das novas tecnologias que não têm, como ele destaca, a mesma permanência das recordações antes feitas por meios analógicos.
“Até tempos atrás, as famílias faziam álbuns de fotografias reveladas em papel ou vídeos em fitas VHS dos momentos que consideravam mais importantes. As fotos em papel sobrevivem ao tempo. Já as gravações dependem, para sua reprodução, de aparelhos que caíram em desuso. De qualquer forma, essas memórias estão mais seguras, no que diz respeito à sua armazenagem, que os vídeos e selfies de hoje, que podem ser facilmente corrompidos ou perdidos na web. Sem contar que atualmente as pessoas estão obcecadas pelo ato de registrar uma certa imagem. Memória não é simples registro, é o ato de lhe dar significado”, ressalta o pesquisador da Universidade de Glasgow
Memórias esvaziadas
Hoskins considera que estar sempre “tuitando” ou compartilhando selfies nas redes sociais (fotos que as pessoas tiram de si próprias com seus gadges) tem acelerado o processo de esvaziamento da memória.
“O registro via selfies transforma eventos coletivos em vivências individuais que são exibidas nos perfis pessoais de cada um, em meio a várias outras imagens, o que acaba banalizando o que deveria ser um registro da memória. Precisamos encontrar um caminho para que as mídias e as novas tecnologias digitais fortaleçam a memória e não a deteriorem ou a façam entrar em declínio.”
Hoskins também defende que é preciso dar um valor adequado ao que classificamos como passado.
“Os mais jovens, e os adultos também, estão engrossando esse movimento de ‘conectividade tóxica’, que se traduz na compulsão por gravar e fotografar os momentos que estão vivendo. Pergunto: o que estão fazendo com essas lembranças e experiências? Esse legado pessoal será transmitido naquilo que tem de mais significativo, como fizeram seus avós?”, indaga Hoskins. Ele completa:
“As gerações passadas não tinham, como as de hoje, a possibilidade de distribuição e compartilhamento de suas memórias a um nível praticamente infinito na web. Em compensação, tinham mais consciência de que eram ‘arquivos vivos’, daí fazerem registros mais seletivos dos momentos que realmente eram importantes em suas vidas.”
Desafio hercúleo
Hoskins também destaca a audiência efêmera dos selfies. “São ao mesmo tempo pegajosos e essencialmente obsoletos. Sua vida útil é curtíssima. Esse fenômeno parece indicar que não dominamos nossa memória, que era bem mais ativa no passado recente. Afinal, hoje dependemos cada vez menos do que somos capazes de encontrar naturalmente em nossas lembranças e mais dos mecanismos de busca que as tecnologias digitais proporcionam.”
As ideias de Hoskins abrem uma boa discussão. Afinal, as tecnologias e mídias digitais nos inebriam, pois proporcionam aos nossos pequenos grandes egos as luzes da ribalta virtual. Para isso, só precisamos acionar os dispositivos fotografar ou gravar de nossos smartphones e tablets.
De pessoas anônimas em atividades triviais a eventos que têm o poder de mudar a História, hoje nada escapa das indiscretas lentes digitais. Em meio a esse turbilhão massacrante de imagens e breves registros escritos – o sucesso do Twitter com seus 140 caracteres é emblemático – fica um desafio hercúleo. Manter intacto e sempre fluindo o fio da memória individual e coletiva no que elas têm de mais significativo e valioso, o legado de uma geração para outra,