Esse texto foi escrito por Mariana Negrão e Marité Perez a partir de resultados de pesquisa feita durante o programa de MBA Global Social and Sustainable Enterprise MBA na Colorado State University.
Ainda no Colorado, antes de viajarmos para o Brasil, sabíamos que a infraestrutura do sistema de saúde deixava a desejar, não satisfazendo as necessidades dos que mais dependem do sistema único de saúde: as classes C, D e E. Compreendíamos a profundidade da desigualdade social, característica de países em desenvolvimento, a qual permite que aqueles pertencentes às classes A e B tenham condições financeiras de pagar por planos de saúde particulares complementares ao sistema público, ainda que, muitas vezes, o recebam como benefício de seus empregadores. Essa situação reforça a distinção entre os que têm e os que não têm. Com base em informações fornecidas pela OMS, Banco Mundial e IBGE, fomos capazes de definir superficialmente o cenário da saúde no Brasil, caracterizado pelo aumento do número de casos de doenças crônicas em contraste com a diminuição do número de doenças infecciosas. Nossos resultados preliminares, baseados em pesquisa secundária, embora úteis, mostravam apenas a ponta de um iceberg profundo e distorcido.
Apenas depois de realizarmos um pesquisa de campo, que incluiu conversas com organizações não governamentais, profissionais de saúde, políticos e, principalmente, usuários do SUS fomos capazes de entender melhor as qualidade do Sistema Universal de Saúde brasileiro, assim como os efeitos colaterais para empreendedores na área de se ter esse tipo de sistema. É verdade que desde sua implantação em 1988 mais pessoas no país têm acesso a serviços básicos de saúde gratuitos e, como resultado, índices de mortalidade caíram, a expectativa de vida aumentou e as doenças infecciosas estão, em sua maioria, sob controle. No entanto, a sociedade mudou desde o final da década de 80: a população está envelhecendo, mais pessoas moram em centros urbanos e, como resultado, há um aumento em acidentes de trânsito, mudanças em hábitos alimentares, entre outras coisas. A pergunta que fica é: “E por que isso é diferente de outros países desenvolvidos com sistema universal de saúde?”. A principal diferença, no caso, é que o sistema em vigor não se adaptou completamente para atender às necessidades da sociedade moderna. “Doenças infecciosas exigem tratamento, doenças modernas exigem cuidado” comentou Dr. Paulo Carrara, médico sanitarista e ex-secretário de saúde de São Paulo, durante nossa entrevista. Isso representa um desafio para o sistema único de saúde que está preparado para tratamento e não para o cuidado. No entanto, o cenário representa também uma grande oportunidade para a empreendedores e inovadores sociais.
Investigando mais profundamente, constatamos que a estrutura hierárquica do SUS exige que cada município seja responsável pela atenção primária se saúde aos seus cidadão. Há 5570 municípios! Para aumentar a complexidade, interesses políticos afetam a facilidade de implantação de novas políticas e tecnologias pelo sistema público. O cenário é turvo para empreendedores e inovadores na área, já que levar soluções a uma escala estadual ou federal é praticamente impossível dentro de uma estrutura fragmentada e incompreensível.
Depois de colaborarmos com uma startup local, Facilita Saúde, que trabalha como uma intermediária entre médicos e pacientes negociando preços mais acessíveis para seus clientes, fomos capazes de entender ainda mais sobre o cenário para empreendedores sociais nessa área. Queríamos compreender se pacientes atualmente insatisfeitos com o SUS estariam interessados em serviços da rede privada e quanto estariam dispostos a desembolsar pelos serviços. Nossos resultados indicam que o acesso ao atendimento gratuito prejudica a percepção de mercado e do real valor do serviço oferecido. Em outras palavras: porque há atendimento gratuito, as pessoas não estão dispostas a pagar o real valor do serviço oferecido na rede privada. Além disso, a complexidade do sistema atual, aliada à má experiência desse mercado com planos de saúde privados faz com que seja difícil para potenciais consumidores entender novas ofertas de produtos tornando a comercialização e divulgação desses serviços uma tarefa árdua para o empreendedor que é continuamente mal interpretado, exigindo uma abordagem muito pessoal na explicação sobre uma nova oferta de serviços.
Nossa pesquisa mostrou ainda que a redução dos preços de serviços de saúde privado para o patamar que o mercado das classes C, D e E estão dispostas a pagar, não é financeiramente atrativa para o prestador de serviços e deixa muito pouco espaço para um intermediário. No entanto, um foco em serviços complementares à clinica médica que atualmente não estão sendo suficientemente oferecidos pelo SUS pode iluminar novas oportunidades de negócios para empreendedores que procuram melhorar a qualidade de vida de brasileiros de baixa renda em centros urbanos no Brasil.
Co-autor: Marité Perez é formada em Relações Internacionais com ênfase em Administração Internacional pela Florida State University e atualmente é aluna do curso de MBA “Global Social and Sustainable Enterprise” na Colorado State University, nos Estados Unidos. Marité trabalhou em Capitol Hill (Washington D.C.) como assistente pessoal e legislativa. Marité serviu como voluntária das Forças de Paz (Peace Corps) na República Dominicana onde morou e trabalhou por quatro anos.