O Brasil chora faz dias a perda de cerca de 200 vidas vítimas do acidente da TAM. Lamentável sob todos os aspectos, a tragédia expôs uma vez mais as deficiências de nossa malha aérea, a falta de investimentos e inexistência de uma política de investimentos para o setor, além da insuficiência de ações por parte de alguns agentes para reverter o caos que assola o país já há quase um ano.
O pior é que esse não é um episódio pontual, não é uma fatalidade nem mesmo um tormento restrito a determinado setor. Infelizmente, no Brasil atual, somos campeões em vôos cegos, todos os dias colocamos em risco vidas e mais vidas. Isso acontece na educação, na segurança pública, na previdência, na saúde, na aviação e assim por diante.
A saúde, aliás, é um caso típico de desatenção pública com os cidadãos. Diariamente vidas humanas se perdem por falta de gestão competente e de financiamento. Se pensarmos que o acidente da TAM poderia ter deixado alguns sobreviventes, quais as chances que eles teriam de receber socorro competente? Poucas e insuficientes, pois não contamos com uma política eficaz e ampla direcionada ao atendimento do paciente traumatizado. É verdade que temos alguns centros de excelência na assistência ao traumatizado e na alta complexidade, mas que sobrevivem com grande dificuldade. A maior parte dos nossos hospitais não está preparada para esse tipo de emergência.
Não à toa vemos frequentemente notícias de pessoas que morrem aqui e acolá por não receber a assistência devida. Não se trata de responsabilidade de médicos nem dos demais profissionais de saúde, que fique bem claro. O que ocorre é que o sistema se encontra numa situação de insuficiência permanente. Vemos dinheiro vazando em escândalos de corrupção, enquanto os postos de saúde vivem sucateados e hospitais quebram debaixo dos olhos de todos nós. Apesar do esforço de alguns gestores, a falta de financiamento da saúde continua e ainda não foi colocada em prática uma tabela coerente do SUS.
É preciso atitude para mudar. Por isso, no próximo dia 14, médicos de todo o país e a Frente Parlamentar da Saúde protagonizarão uma grande mobilização por mais verbas para o setor. O objetivo é justamente evitar o aprofundamento do caos na saúde. Um ato está marcado para o Salão Verde da Câmara dos Deputados, em Brasília. Após caminhada até o Palácio do Planalto, representantes participarão de audiência com o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, para a apresentação de reivindicações.
Uma das reivindicações centrais é a votação imediata da regulamentação da Emenda Constitucional 29, que pode se dar da noite para o dia, se o governo orientar sua bancada. A proposição visa a assegurar os recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde, além de estabelecer claramente quais são de fato os investimentos que podem ser considerados nessa rubrica, para acabar com os desvios praticados em todas as esferas públicas.
Também será solicitado o reajuste das tabelas do Sistema Único de Saúde. Desde 1999, a tabela não tem uma recomposição condizente. Atualmente está prestes a inviabilizar a existência de qualquer entidade prestadora de serviço, seja ela pública, filantrópica, Santas Casas ou universitárias.
Para ter uma idéia concreta da defasagem, basta dizer que, a partir do Plano Real, a gasolina subiu mais de 500% e a energia elétrica cerca de 600%, assim como o transporte urbano. Enquanto isso, a tabela SUS foi “corrigida” em 37%. Resultado: hoje, uma consulta em especialidade adulta paga ao médico menos de R$ 8,00, um raio-X tem reembolsado menor do que R$ 5,00, e procedimentos como um parto têm remunerações indignas.
Lógico que a incoerência e o descaso com um bem sagrado, como a saúde, causa graves conseqüências aos cidadãos. Portanto, exige um remédio forte e concentrado: união e mobilização popular. Se quisermos interromper o vôo cego da saúde e criar perspectivas alvissareiras para o futuro próximo, só há uma saída: pressionar as autoridades responsáveis a tratar com respeito o Brasil e a saúde dos brasileiros.
Jorge Carlos Machado Curi é presidente da Associação Paulista de Medicina
Opinião: O vôo cego da saúde
Se pensarmos que o acidente da TAM poderia ter deixado alguns sobreviventes, quais as chances que eles teriam de receber socorro competente?
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