Hoje em dia as doenças crônicas não transmissíveis são o principal alvo de saúde pública em países mais desenvolvidos. Por esse motivo ações de promoção da saúde, com o objetivo de prevenir doenças e manter a saúde e o bem-estar das pessoas são cada vez mais populares e necessárias. Mas essas diferentes ações, embora possam ter os mesmo objetivo geral, de melhorar a saúde da população, podem também ter posicionamentos teóricos totalmente diferentes. Esses posicionamentos em ações de promoção da saúde influenciam o modo de intervenção utilizado e são diretamente associados com o conceito de saúde adotado.
Portanto, primeiramente, é importante revisar os diferentes entendimentos para o conceito de saúde, e consequentemente promoção da saúde. Diferentemente do que muitos pensam, o entendimento do que é saúde está longe ser unanimidade. Saúde pode, por exemplo, ser entendida como a ausência de doença e perfeita função do corpo. Nesse caso, um portador de doença ou deficiência física tem “menos saúde” que uma pessoa sem doenças ou deficiências. Alternativamente, saúde pode ser entendida como viver com bem-estar dentro do potencial individual de cada pessoa. Nesse caso, um deficiente físico ou portador de doença crônica pode ser tão saudável (ou mais) que uma pessoa sem deficiências ou doenças aparentes, mas que não está tendo um estilo de vida considerado saudável.
Esses são dois entendimentos são muito contrastantes e apesar da definição da Organização Mundial da Saúde estar de acordo com o segundo exemplo o primeiro (saúde = ausência de doença) ainda é muito popular. A definição de saúde, naturalmente, influencia o planejamento de estratégia de promoção da saúde. No modelo criado por Caplan e Holland 1990 (figura 1) também é possível enxergar esses diferenças observando os quatro paradigmas esquematizados em duas dimensões. A primeira dimensão considera os dois extremos de conhecimento objetivo ou subjetivo, sendo o lado objetivo mais conectado com o entendimento de saúde como ausência de saúde. A segunda dimensão é relacionada com os posicionamentos em relação à sociedade, com mudanças variando entre mudanças radicais ou reguladas pela sociedade.
Figura 1: Os quatro paradigmas e perspectivas da promoção da saúde. De Caplan e Holland (1990) visto e adaptado de Naidoo e Willis (2009)
Cada quadrante na figura acima incorpora diferentes posicionamentos teóricos e ideológicos. Pessoalmente, não acredito que eles sejam independentes ou exclusivos em todos os casos. A HealthUnlocked, por exemplo, certamente se encaixaria no quadrante superior esquerdo, mas por vezes interações do quadrante inferior direito também podem ocorrer. Considerando esses diferentes pontos de partida em saúde podemos agora dar uma olhada em alguns modos de intervenção em promoção da saúde. Vamos usar o objetivo comum perda de peso/obesidade, para pensar em exemplos concretos em cada um deles – Figura 2:
Modo de intervenção |
Objetivos específicos |
Métodos |
Exemplos |
Médico |
Identificar o risco para reduzir a mortalidade |
Intervenção médica e informação sobre riscos |
Medida de peso e altura para IMC |
Mudança de comportamento |
Encorajar as pessoas a terem mais responsabilidade na adoção de estilos de vida |
Persuasão, marketing social |
Campanha “5-a-day” |
Educacional |
Aumentar o conhecimento informação sobre vida saudável |
Fornecer informação e treinamento |
Palestras sobre alimentação saudável |
Empoderamento |
Trabalhar com a comunidade para alcançar as necessidades de saúde percebidas. Conectado com o conceito de social capital |
Ativismo, capacity building |
Horta comunitária |
Mudança social |
Provocar mudanças de nível social e ambiental, que gerem melhoras de saúde. |
Legislação de saúde, políticas públicas |
Imposto sobre alimentos hipercalóricos |
Figura 2: Modos de intervenção em promoção da saúde. Adaptado de Naidoo e Willis 2009
Todos os métodos mencionados na tabela acima são usados (com mais ou menos frequência) em estratégias de saúde no mundo todo. Mas, o primeiro, devido à importância histórica da medicina, é ainda o mais prevalente (Naidoo e Willis 2009). Embora a intervenção médica tradicional funcione muito bem para muitos problemas baseados em doenças causadas por agentes transmissíveis, os atuais desafios mundiais em saúde (doenças crônicas não transmissíveis) apontam para a necessidade de intervenções diferenciadas. Agora, tente definir qual intervenção na tabela (figura 2) se encaixaria em cada quadrante do diagrama (figura 1). Qual posicionamento ou método de intervenção você adota?
Para finalizar, na tabela abaixo (figura 3) estão algumas criticas comuns para cada método e exemplos de problemas, com base nas intervenções sugeridas na tabela anterior (figura 2).
Modo de intervenção |
Crítica |
Exemplos |
Médico |
Procura aumentar as intervenções médicas na população e ignora fatores sociais e ambientais |
Vale a pena aumentar o número de consultas com profissionais de saúde para tratar obesidade enquanto a oferta de alimentos saudáveis é baixa e as pessoas não estão motivadas para agir? |
Mudança de comportamento |
Coloca as pessoas como culpadas pela sua saúde e tende a ignorar fatores sociais econômicos |
É justo lançar campanhas que responsabilizam as pessoas pela sua alimentação, enquanto a oferta de alimentos saudáveis é baixa? |
Educacional |
Assume que o conhecimento é suficiente para gerar mudança e melhora na saúde das pessoas |
É suficiente oferecer palestras e orientação sobre alimentação saudável? Ou seja, as pessoas mudam hábitos apenas com informação? |
Empoderamento |
É difícil de medir resultados e assume que decisões racionais serão decisões saudáveis |
Como conseguir investimento para uma intervenção difícil de avaliar e quantificar? Será que as pessoas empoderadas farão boas decisões? |
Mudança social |
Requer grandes mudanças estruturais e poder político |
Quanto tempo leva para aprovar e implementar um novo imposto para alimentos hipercalóricos? |
Figura 3: Críticas para os modos de intervenção em promoção para a saúde
Referência
Naidoo, J. and Wills, J. (2009) Foundations for Health Promotion. London: Baillière Tindall Elsevier