No contexto brasileiro, a saúde suplementar surgiu como uma resposta à demanda por serviços médicos de qualidade e à necessidade de redução das filas e do tempo de espera no sistema público. Hoje, 51 milhões de pessoas têm acesso a planos de assistência médica e podem contar com uma ampla rede de hospitais e profissionais de saúde, mas esse número ainda representa apenas 25% da população.
Dentro desse cenário, é crescente a demanda por serviços de saúde mais acessíveis, o que tem impulsionado significativamente o mercado de cartões de benefícios de saúde, produtos que oferecem uma solução viável, permitindo acesso a consultas, exames e procedimentos médicos com descontos substanciais, sem a necessidade de mensalidades elevadas e períodos de carência, comuns nos planos tradicionais.
Esses produtos garantem descontos em estabelecimentos como farmácias, clínicas e hospitais à população desassistida de saúde suplementar. Nesse mercado, existem pelo menos 40 milhões de usuários, e os cartões vêm sendo cada vez mais explorados pelas clínicas populares e por empresas que trabalham com essas modalidades de acesso à saúde privada.
É importante ressaltar, no entanto, que os cartões de desconto não são planos de saúde. Eles oferecem descontos em procedimentos médicos, mas não cobrem atendimentos emergenciais e internações. Alguns cartões podem até oferecer atendimento online em casos de emergência, mas isso não substitui um plano de saúde para situações de urgência.
O crescimento desse robusto mercado, ainda não regulado, vem chamando a atenção, e a recente decisão da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – AgInt no AREsp n. 2.183.704 – atribuindo à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) o papel de regular e fiscalizar os cartões de desconto, tem provocado um amplo debate sobre os possíveis impactos dessa medida para os consumidores e para o mercado.
Não se pode ignorar que o número de usuários desse tipo de produto é muito expressivo, e uma regulação nos mesmos moldes dos planos de saúde poderia resultar no encarecimento substancial dos produtos ofertados, com risco de comprometer o acesso dos consumidores a esse tipo de serviço.
Por outro lado, é preciso considerar que a regulação pode proporcionar maior segurança aos consumidores e até mesmo a integração entre essas operadoras de perfis tão distintos (planos de saúde e cartões de desconto), possibilitando o oferecimento de novos produtos e soluções mais eficientes, de acordo com a realidade de cada consumidor.
Apesar de ainda não ser possível apurar exatamente quais serão os impactos da futura regulação, existe a expectativa de que a fiscalização pela Agência possa garantir maior segurança e transparência para os usuários desses serviços, tornando esse mercado ainda mais atrativo.
Sobre o tema, o Diretor-Presidente da ANS, Paulo Rebelo, tem se pronunciado, apontando para a possibilidade de criar uma “sandbox regulatória”, que funciona como um ambiente controlado onde novas regras e modelos de negócios podem ser testados, permitindo avaliar como o mercado iria evoluir e quais seriam as medidas regulatórias adequadas.
De toda forma, a regulação dos cartões de desconto, sem dúvida, será um desafio que demandará equilíbrio. Será necessário garantir que os consumidores tenham acesso a serviços de qualidade e a preços justos, sem comprometer a acessibilidade desses serviços para uma parcela significativa da população.
Cabe agora à ANS e às operadoras trabalharem juntas para encontrar o melhor caminho, garantindo benefícios e, principalmente, segurança para os consumidores e para o mercado.
*Gustavo Mororó, Oseias de Andrade e Rachel Quintana Rua Duarte, advogados do Bhering Cabral Advogados.