A insuficiência dos recursos destinados à Saúde é de conhecimento de seus agentes, desde o mais alto escalão da gestão até seus usuários. É fato que o Sistema Único de Saúde (SUS), como a própria nomenclatura diz, ser a única política pública que prevê por lei acesso à Saúde. Modelo inclusive estudado por países como Estados Unidos. Quanto a isso, não há discussão. A questão está em combater a fragilidade do Sistema. Inúmeras são as tentativas, muitas um tanto arbitrárias, de reverter o sucateamento da saúde.
Exemplo de manobra inconstitucional é o Projeto de Lei Complementar (PLC) 45/2010, de autoria do governador Alberto Goldman, que prevê o direcionamento de até 25% dos leitos de hospitais e unidades de saúde pública administrados pelas Organizações Sociais de Saúde (OSs), para atendimento de pacientes de planos de saúde e particulares. Em primeiro lugar, é proibida a venda de leitos do SUS, por isso uma PL Complementar. Não há como ser feita cobrança por um atendimento em estabelecimento público, esta conduta é totalmente irregular. Além disso, a medida reduziria o atendimento aos usuários do SUS, aumentando a fila de espera, que já é enorme.
Mais uma vez a terceirização da saúde é enfiada goela abaixo da população. É necessário se conhecer os meandros do processo, observando o todo, não apenas a tentativa de passar este PLC em caráter de urgência, como foi feito em 16 de dezembro de 2010, sem ser amplamente debatido democraticamente, o que deveria ter sido feito na próxima Legislatura. Infelizmente, a medida foi aprovada em 22 de dezembro e, consequentemente, criará atendimento diferenciado, privilegiando pacientes de planos privados, o que é ultrajante.
Houve inversão na maneira de interpretar a legislação, quando diz: saúde é direito do cidadão e dever do Estado. A Constituição define: a iniciativa privada pode atuar como complemento aos serviços públicos de saúde. Na prática, os defensores das OSs deixam o estado como atividade complementar, invertendo a lógica da lei e prejudicando a população que depende, unicamente, da saúde estatal.
Recentemente, os planos de saúde receberam determinações do Supremo Tribunal Federal (STF) para ressarcir os hospitais públicos, da mesma forma que os privados, nos casos em que os clientes optam por este atendimento. O reembolso está previsto em lei de 1998, entretanto ainda é causa de conflitos nos tribunais, uma vez que as empresas consideram a legislação inconstitucional, pois a saúde é um dever do Estado.
De acordo com o Tribunal de Contas da União, as operadoras de saúde deixaram de pagar ao SUS R$2,6 bilhões, entre 2003 e 2007. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) faz a cobrança do ressarcimento após cruzar a lista de atendidos em hospitais públicos com a listagem dos planos, exceto em casos de tratamentos não previstos na contratação do plano, que não devem ser reembolsados.
Na medicina de urgência e emergência a quase totalidade dos usuários de planos privados acaba sendo atendida pelos hospitais públicos, especialmente os acidentados nas vias públicas e são levados aos hospitais por serviços de resgate e o SAMU. São poucos os planos e seguros de saúde que prestam esses serviços aos seus clientes. Na maioria dos casos, os hospitais públicos só tomam conhecimento de que o atendimento foi prestado para um usuário da saúde suplementar, quando a família solicita transferência para um hospital da rede credenciada particular. Ainda não existe a cultura do SUS de verificar a procedência econômica dos pacientes atendidos em sua rede.
Outro aspecto que também é bastante oneroso para o SUS é o chamado procedimento de alta complexidade, como transplantes de todas as naturezas e as grandes cirurgias, como as cardíacas, neurológicas, abdominais, torácicas, além dos atendimentos clínicos de alta complexidade, como neonatologia, UTIs pediátricas, vítimas de graves queimaduras e a dispensação de medicamento de alto custo.
Se atualizarmos os valores que deveriam ser reembolsados para o SUS, segundo o Tribunal de Contas da União, atingiremos, com correções, a marca de 4 bilhões de reais, apenas no período que compreende os anos de 2003 a 2007. Agora, a ANS deve acionar as empresas para colocar em prática esse ressarcimento e trabalhar para que as operadoras de saúde cumpram o prometido em contrato. Deve haver uma fiscalização mais rigorosa em todos os atendimentos do SUS, sem nenhum prejuízo para o paciente. Existem restrições severas, algumas delas injustas, outras perversas, e todas elas de franco prejuízo ao usuá rio.. É preciso considerar que o Estado oferece seus serviços diretamente por meio do SUS ou pelo instrumento de concessão, permissão ou suplementação. As operadoras, planos e seguros de saúde atuam, portanto, com autorização da autoridade pública. É por isso que o segmento é considerado como de saúde suplementar.
A alegação de que as OSs não têm fins lucrativos é desculpa para pagamento de “polpudos” salários a seus diretores e cargos em comissões criados por interesses administrativos. Estas defesas intransigentes das OSs pelas autoridades da saúde representam meras desculpas burocráticas verdadeira confissão de inoperância do governo para justificar sua ineficiência gerencial.
*Dr. Cid Carvalhaes é médico neurocirurgião, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp) e da Federação Nacional dos Médicos (Fenam).
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SUS: terceirização é antônimo de direito à Saúde
Carvalhaes critica o direcionamento de até 25% dos leitos de hospitais e unidades de saúde pública para pacientes conveniados
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