Passado o impacto inicial da derrota imposta pelo Senado ao projeto que prorrogava a CPMF, expressa na reação de alguns ministros, ora em tom de ameaça – “está suspensa a ampliação da política industrial” – ora em tom dramático – “a medida marca o fim do PAC da Saúde” -, cabe retomar uma abordagem racional e objetiva da questão e concluir, como muitos analistas já fizeram, que as conseqüências maiores foram políticas e não econômicas.

A capacidade de investimento do governo não foi seriamente comprometida. Aliás, como observou a jornalista Míriam Leitão, até novembro passado, o governo havia investido apenas R$ 14 bilhões de um total previsto de R$ 38 bilhões. Sendo que o PAC consumirá, até dezembro, R$ 9 bilhões de um total autorizado de R$ 16 bilhões.

Quanto ao Orçamento da União, a arrecadação recorde deste ano compensou e deverá continuar compensando em 2008 a perda dos cerca de R$ 40 bilhões anuais obtidos com o imposto dos cheques. E, no caso específico da Saúde, as verbas dobraram desde 2000, com orçamento estimado de R$ 47,8 bilhões no ano que vem.

Diante disso, espera-se que o governo deixe de lado a tentação de resolver seus problemas de gestão e descontrole financeiro pela via do aumento de impostos e volte sua atenção para os aspectos básicos indispensáveis ao bom desempenho da máquina pública e da economia em geral.

A começar, é claro, pela negociação de uma verdadeira reforma tributária, que acabe com distorções semelhantes a do setor farmacêutico, cuja carga tributária média, apesar de sua essencialidade para a saúde, é de 35,07% sobre o preço final dos medicamentos; muito superior à das rações de uso animal (23,43%) ou a que incide sobre as flores (18,91%).

Ao antecipar algumas das medidas do PAC da Saúde em meados de novembro, durante encontro na Febrafarma, integrantes do governo afirmaram que os R$ 24 bilhões previstos para sua execução dependiam da CPMF. “Tudo isso é um castelo de cartas no ar, porque sem a CPMF não haverá dinheiro”, disse na oportunidade um representante do Ministério da Saúde. A declaração fazia parte, obviamente, da estratégia governista de convencer a sociedade sobre a necessidade de prorrogação do imposto dos cheques.

O fato é que o conjunto de medidas e articulações contempladas no chamado PAC da Saúde são urgentes e importantes, devem ser viabilizadas, mas não a qualquer custo, nem por qualquer meio. Não se pode vincular os problemas da saúde no Brasil exclusivamente à falta de recursos. Há ineficiências que precisam ser eliminadas. Há políticas cujas diretrizes precisam ser revistas e aperfeiçoadas. Há, acima de tudo, a necessidade de articulações, diálogo e negociação permanentes entre os principais agentes públicos e privados da área da saúde no sentido de achar as melhores soluções.

É ilusório pensar que o bom funcionamento do sistema público de saúde depende somente de verbas, dos bilhões da CPMF (que, note-se, destinavam-se originalmente para a saúde, mas foram desviados para outras finalidades…). A indústria farmacêutica, assim como outros segmentos do complexo produtivo da saúde, está pronta, como sempre esteve, a articular suas estratégias com as do Poder Público.

Ao contrário do que alguns apregoam, o fim da CPMF não é o caos. É, na verdade, uma grande oportunidade para substituir opções “políticas” por entendimentos técnicos que levem à realização dos objetivos maiores de eficiência do sistema de saúde, em prol do bem-estar da população.

* Publicado na Gazeta Mercantil em 18/12/07 em nome de Ciro Mortela, Presidente-executivo da Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica (Febrafarma)

As opiniões dos artigos/colunistas aqui publicadas refletem unicamente a posição de seu autor, não caracterizando endosso, recomendação ou favorecimento por parte da IT Mídia ou quaisquer outros envolvidos nesta publicação.