O tema saúde mental ainda é um tabu em muitas empresas, e apesar de ter começado a ganhar força no pós-pandemia, o impacto do ambiente de trabalho na saúde do profissional já vem sendo observado há alguns anos. Segundo especialistas, a emergência sanitária foi um catalisador para situações que já ocorriam no ambiente de trabalho, como urgência, pressão por prazos, alta competitividade, entre outras.

“Apesar de os fatores que afetam a saúde mental irem além do ambiente de trabalho, podendo estar relacionados a questões individuais, sem dúvida o ambiente profissional tem sido mais desafiador à medida que a busca por resultados de curto prazo tem sido pauta constante nas empresas. Tempo de resposta, agilidade, competitividade, entre outros fatores, geram gatilhos que causam um desconforto considerável ao trabalhador”, analisa Danilo Dias, diretor consultivo da Associação Brasileira de Recursos Humanos – Regional São Paulo (ABRH-SP).

Para Letícia Bertaglia. psicóloga e analista de recursos humanos sênior da Up Brasil, além dos fatores citados por Dias, pode-se destacar ainda as jornadas de trabalho extensas, falta de comunicação ou de crescimento profissional, insegurança financeira, pressão por parte de chefes autoritários, cobranças excessivas e discriminações como fatores desencadeadores da insatisfação dos profissionais e da falta de equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, levando ao estresse e adoecimento físico e emocional

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), sem estruturas eficazes e apoio no local de trabalho, apesar da vontade de trabalhar, o impacto das condições de saúde mental pode afetar a autoconfiança, a capacidade para o trabalho, gerar faltas e impactar a capacidade de conseguir emprego.

Como a saúde mental dos profissionais afeta as empresas

A saúde mental dos trabalhadores pode afetar as empresas de várias maneiras, incluindo impactos no absenteísmo, na produtividade individual e coletiva, além de possíveis impactos na reputação da marca em geral. “O adoecimento mental é uma das principais causas de absenteísmo nas empresas, além de causar aumento no turnover. Profissionais insatisfeitos tendem a adoecer mais facilmente, levando assim à queda de produtividade e de desempenho no trabalho”, avalia Letícia.

Na opinião de Dias, a saúde mental afeta a empresa pelas ausências do colaborador, sem dúvida, mas mais do que isso, a ausência causa uma ruptura em um time do qual se espera competividade, comprometendo o resultado.

“O absenteísmo pode levar a interrupções na produtividade e custos adicionais para as empresas. Mas outro problema, pouco falado, é o presenteísmo, onde ocorre diminuição na produtividade mesmo com o funcionário presente. A saúde mental dos funcionários também pode impactar o ambiente de trabalho como um todo. Se os funcionários estão sofrendo de estresse, ansiedade ou outros problemas de saúde mental, isso pode afetar a cultura organizacional, levando a uma atmosfera de trabalho negativa, o que pode resultar em conflitos interpessoais, falta de colaboração, baixa moral da equipe e até mesmo uma taxa mais alta de rotatividade de funcionários”, explica Gregório Victor Rodrigues, médico de família e cientista de dados da 3778.

O que as empresas podem fazer?

As empresas têm adotado uma variedade de políticas e práticas para tornar o ambiente de trabalho mais saudável e apoiar a saúde mental dos funcionários. Algumas boas práticas citadas por Rodrigues incluem:

• Programas de bem-estar que abordam não apenas a saúde física, mas também a saúde mental dos funcionários, como acesso a academias e workshops sobre gerenciamento de estresse.

• Flexibilidade no trabalho: oferecer horários flexíveis, trabalho remoto ou jornadas de trabalho comprimidas podem reduzir o estresse relacionado ao trabalho.

• Políticas de licença e tempo livre: permitem que os funcionários cuidem de sua saúde física e mental sem se preocupar com as pressões financeiras associadas à ausência do trabalho.

• Programas de assistência ao empregado: fornecem acesso a aconselhamento confidencial, recursos de suporte e encaminhamento para tratamento para uma variedade de questões pessoais e profissionais, incluindo problemas de saúde mental.

• Políticas antiestresse: exemplos incluem limitar o envio de e-mails fora do horário de trabalho, incentivar o uso de férias e dias de descanso e estabelecer práticas de gerenciamento do tempo.

• Promover uma cultura de apoio e inclusão.

“É importante que as empresas avaliem regularmente essas políticas e façam ajustes conforme necessário para garantir que estejam atendendo às necessidades e preocupações de seus colaboradores”, complementa Rodrigues.

Mas para que essas ações sejam implementadas, o primeiro passo é a empresa reconhecer e identificar essa necessidade para de fato estabelecer políticas que incentivem os profissionais a procurar acompanhamento médico ou ofereça alternativas de atendimento com empresas especializadas. “É importante criar espaços para o diálogo para que o colaborador tenha um acompanhamento médico adequado para buscar sua recuperação, seja ainda trabalhando ou por meio de férias fracionadas ou direito a algumas ausências no decorrer do ano”, comenta Dias.

A disponibilidade de apoio emocional, a criação de programas de assistência ao empregado e o acesso a serviços de saúde mental são cruciais para ajudar os trabalhadores a lidar com desafios pessoais e profissionais. “O estigma associado à saúde mental pode impedir que os trabalhadores busquem ajuda quando necessário. Assim, promover uma cultura de abertura, onde falar sobre problemas de saúde mental seja encorajado e tratado com respeito e compreensão, pode ser protetor para reduzir o estigma e promover o acesso ao suporte necessário”, diz Rodrigues.

Segundo Dias, a empresa que deseja cuidar da saúde mental de seus colaboradores precisa fazer com que esse tema passe a compor as prioridades de recursos humanos e também da liderança. “Na sua maior parte, o envolvimento da liderança ou uma aproximação por parte do líder superior é importante para criar um ambiente mais saudável. A liderança precisa entender a importância dessas políticas de fato e desdobrar isso para suas equipes.”

Experiências e resultados

Há cinco anos, a Embracon mantém uma média de 81% em uma avaliação que mede se a empresa é considerada um lugar psicologicamente saudável para trabalhar, e, no ano de 2023, ganhou o prêmio Destaque em Saúde Emocional, uma categoria exclusiva para empresas que participam dos rankings GPTW que premia empresas que buscam construir ambientes de trabalho mais saudáveis.

“O nosso principal motivador é entender que a pressão do trabalho, associada às pressões da vida cotidiana, podem levar as pessoas à estafa. Por isso, há mais de 10 anos, atuamos com o PAE (Programa de Assistência ao Empregado), ao qual demos internamente o nome de ‘Conte Comigo’. Nesses anos, muitos colaboradores e familiares receberam atendimento psicológico”, conta Brenda Donato, diretora de pessoas.

Nos últimos três anos, mais de 1.800 pessoas puderam contar com o apoio do PAE, que funciona 24h. Das 8h às 20h, são atendidos todos os tipos de casos, e, das 20h às 8h, são atendidos casos de emergência, que precisam de soluções imediatas.

“Além do Conte Comigo, ano a ano fazemos um planejamento e uma agenda para tratar o tema saúde mental que se diversifica de acordo com as demandas que subiram em nossos indicadores de saúde. Em 2023, por exemplo realizamos uma oficina de manejo de emoções com grupos terapêuticos conduzidos por terapeutas e o material final deste trabalho resultou em um livro onde os colaboradores puderam tornar público todos os sentimentos da vida cotidiana, e de alguma forma normalizar sentimentos e atingir a todos.”

Brenda acredita que, para que um programa que vise os cuidados com a saúde mental tenha sucesso, é preciso que a empresa se conscientize sobre seus impactos na vida das pessoas, e com esse nível de consciência entenda que os impactos negativos são inerentes à empresa, à cultura e ao clima. “A partir do momento que a empresa se apropria do que pode causar ao seu time, então as ações conseguem ser criadas de forma assertiva e com resultados que geram de fato impacto positivo na vida de cada pessoa.”

Hoje, a Embracon contabiliza aproximadamente 0,3% de afastamentos por questões emocionais. “No último ano, tivemos uma redução significativa em nosso Fator Acidentário de Prevenção (FAP), gerando para a empresa uma economia real no que tange a recolhimento de encargos na folha de pagamento”, finaliza Brenda.

A Danone é outra empresa que tem investido nos cuidados com a saúde mental de seus colaboradores. O programa Be Well é focado na promoção de bem-estar holístico (físico + mental) e nutrição. “Nos pilares voltados ao bem-estar físico e mental, disponibilizamos ferramentas para cuidados físicos, assim como incentivamos conversas sobre o equilíbrio emocional e a harmonia entre trabalho e vida pessoal”, conta José Maciel, gerente de saúde e segurança do trabalho na Danone Brasil.

O programa possui várias iniciativas, como o Avatar da Saúde, para emergências emocionais e apoio psicológico; Meditopia, aplicativo de exercícios para dormir e redução da ansiedade e do estresse; Gympass e Totalpass, que são voltados para atividade física; e os programas Danone Celebra e Feedz, para o reconhecimento das melhores práticas que reforçam os pilares da companhia.

“Além disso, por meio de treinamentos, oferecemos suporte à liderança, fornecendo rodas de conversas para auxílio mútuo e descompressão, e ferramentas para que possam aconselhar e/ou encaminhar de forma sensível e apropriada suas equipes”, explica Maciel.  

Em 2022, conta ele, foram mais de mil colaboradores participando dos encontros de saúde e bem-estar e mais de 60% ativando o benefício do Gympass. “Com o lançamento global do Be Well em 2023, avançamos com o programa de saúde mental, promovendo a aplicação de mapeamentos individuais a fim de garantir o diagnóstico precoce e o encaminhamento dos casos que precisam de apoio para os psicólogos do nosso programa.”

Para garantir o sucesso do programa, Maciel destaca como importante considerar uma variedade de aspectos que vão além do ambiente de trabalho. “Não podemos focar apenas no trabalho; precisamos olhar para a vida de cada pessoa de uma forma holística. Isso inclui hábitos como alimentação, exercícios físicos e qualidade do sono, que afetam diretamente o bem-estar emocional na vida pessoal e profissional. Além disso, é essencial avaliar como o próprio ambiente de trabalho impacta esse ciclo. Aspectos como cultura organizacional, políticas de flexibilidade e apoio emocional são fundamentais para promover um ambiente saudável”, acredita Maciel.

Na Danone, o número de afastamentos por questão relacionadas a estresse e doenças emocionais manteve-se semelhante aos últimos anos, não estando como a principal causa de afastamento.

Apoio especializado e uso da inteligência artificial

Várias empresas desenvolvem programas corporativos focados em saúde mental que podem ser oferecidos aos colaboradores como estratégia para abordar o problema de saúde mental. A 3778 criou um programa que é oferecido às empresas que incorpora uma abordagem integral baseado no princípio da equidade em saúde, para conferir uma densidade assistencial na medida da necessidade de cada pessoa. “Isso significa que estratificamos a população em graus de risco e a cada grau de risco são ofertados serviços e intervenções proporcionais”, conta Rodrigues.

Um primeiro nível de cuidado foca em ações de promoção do bem-estar, prevenção ao sofrimento mental e diagnóstico do bem-estar. O nível seguinte tem como foco o diagnóstico precoce do sofrimento mental instalado para assim endereçar ações de cuidado primário.

“Por fim, o último nível de cuidado, mais individualizado, diz respeito a adotar uma postura de busca ativa de funcionários detectados como adoecidos mentalmente. Desenvolvendo essa linha de cuidado, já temos evidências interessantes do resultado desse tipo de benefício. Conseguimos demonstrar, por exemplo, que, uma vez que os funcionários passam pelo cuidado fornecido, ocorre melhora dos seus níveis de ansiedade e depressão captados por escalas clínicas validadas.”

Essa jornada é apoiada pelo uso da inteligência artificial, com a criação de algoritmos que utilizam várias fontes de dados em saúde (dados de contas médicas, de prontuários ocupacionais, de emissão de atestados, entre outros) para inferir diversas condições de saúde, inclusive problemas de saúde mental. “Esses dados nos fornecem um retrato único da epidemiologia populacional.  Dessa forma, conseguimos ter uma visão panorâmica de quem está adoecido na população, para cerca de 46 condições, inclusive aquelas relacionadas à saúde mental”, explica Rodrigues.

Mas a inteligência artificial também pode ser uma aliada do colaborador, na opinião de Leticia. “A adaptação do profissional às ferramentas de inteligência artificial pode auxiliar em atividades operacionais que demandam maior tempo de execução, automatizando e otimizando as rotinas, deixando assim o dia a dia mais produtivo e saudável por eliminar preocupações excessivas.”